Itupeva, 18 de dezembro de 2022.
Prezado Ednaldo,
Mesmo com tudo o que, imagino, deve estar passando, espero que se encontre otimamente bem.
Como deve ter percebido acima, escrevo hoje dia 18 de dezembro de 2022, dia da final da Copa do Mundo realizada no Qatar.
Não escrevo para atirar pedra no seu trabalho, primeiro porque isso não faz parte do meu caráter, depois, porque não seria minimamente coerente já que pegou o bonde andando e não teve- e nem teria – oportunidade para qualquer mudança de quadro.
Sei que o cargo de presidente da CBF não caiu no seu colo, ele é fruto de muito trabalho em prol do futebol que iniciou lá como jogador amador passando por várias diretorias e depois a presidência da Federação Baiana.
Não escrevo também para querer crucificar o Tite, sua comissão e os jogadores. São profissionais da mais alta qualidade e fizeram tudo o que podiam e sabiam.
Escrevo por entender que tudo o que ocorreu e ficou visível com a participação do Brasil na Copa do Mundo é fruto de uma realidade calcada em uma mentalidade deteriorada que se construiu ao longo de um tempo razoável, e que agora, sob sua batuta pode ser transformada.
Já dá para perceber que você não é daqueles que deixam as coisas correrem sem colocar a mão e dar o caminho que acha o mais correto. Sei que pretende fazer tudo certo, já mostrou, aliás com várias mudanças, sem aceitar interferências de “amigos” nas indicações por interesse.
Espero que já tenha percebido que a nossa estrutura, essa que faz com que não seja páreo nos mundiais de futebol, necessidade urgentemente de mudanças.
Sabemos que é a estrutura que faz a mentalidade, não é presidente? Então, não mexer na estrutura seria continuar aceitando essa mentalidade de desorganização, de descumprimento das obrigações, da falta de preocupação como o ser humano, enfim, uma estrutura que já se mostrou aos quatro cantos do mundo como extremamente perdedora. Tenho certeza de que não é isso que pretende, por tudo o que tenho percebido.
Ednaldo, se eu sei você também deve saber que em torno de cinco por cento das pessoas que estão no futebol, em todas as suas camadas, direta ou indireta, trabalham verdadeiramente pelo futebol, o restante trabalha por seus interesses e ganhos particulares.
Andei lendo por aí que as alterações legislativas recentes, SAF e Lei Geral do Esporte, vão trazer benefícios para o futebol. Dá para entender que essa defesa vem de gente que faz parte daqueles noventa e cinco por cento restante citado acima. A legislação citada somente oportuniza, mais uma vez, a irresponsabilidade na gestão, coisa que esses países que vêm ganhando da gente não permitem há muito tempo.
A mais nova da legislação é a tentativa da volta da lei do passe – prender o jogador sem precisar pagar salário – e com a balela de sempre que são os intermediários que ganham muito dinheiro em detrimento dos clubes. Só mesmo quem nunca viveu minimamente o futebol é que é capaz de acreditar nisso. Quem está dentro do futebol sabe de carteirinha que o intermediário apareceu e se consagrou porque havia interesses de dentro dos clubes. Aliás, os intermediários já existiam com grande influência antes mesmo do fim do passe.
Não sei se lembra, presidente, o PROFUT, que favoreceu fortemente vários clubes com parcelamento elástico de suas dívidas, tinha uma contrapartida – não falemos na questão tributária, mas daria para colocar no mesmo barco – que era o pagamento dos salários e direito de uso de imagem em dia. Quando nós ajuizamos ações de cumprimento para que essa contrapartida fosse acatada, depois de quase dois anos da entrada da lei em vigor, os clubes se juntaram e aquele órgão que tem trazido a pacificação para o país, julgou inconstitucional o artigo da lei contrariando todas as suas decisões anteriores.
O que falar dos poderes da República, eles têm ajudado extraordinariamente, para a manutenção dessa mentalidade que nos leva às derrotas, dentro e fora do país. As leis elaboradas no legislativo são indulgentes quanto as responsabilidades nas gestões; quando é necessário a apreciação interpretativa delas a indulgência é mantida no judiciário; e o executivo sempre que pode e é chamado a se manifestar, reforça tudo isso.
Então, presidente, nessa mudança de postura espero, também e fortemente, que se mantenha longe desse tráfico de influência para o bem do futebol brasileiro. Tráfico de influências de gente que deveria atuar segundo cada função, atua mais como um torcedor. E já sabemos, não é mesmo presidente, o torcedor é importante para nós, só que a participação dele não tem nada a ver com as responsabilidades de quem dirige.
Num paralelo, gosto de usar o exemplo do filho muito mimado que na melhor das hipóteses acaba um adulto incompetente e fracassado sem saber lidar com os desafios da vida, quando não, acaba mesmo como um marginal ou um drogado.
Eu vou continuar com as minhas responsabilidades que consistem de não só defender o atleta profissional de futebol, mas de defender o futebol como um todo, mas sempre com esse jeito que eu sei que não agrada aqueles noventa e cinco por cento. É quase uma luta de Davi contra Golias, mas mesmo que eu não consiga desenvolver as mudanças com a velocidade que acredito imensamente que necessitamos, como as ações que proponho são sempre embasadas naquilo que é aprendi nessa estrada e que entendo que seja o melhor para o futebol e que aplico na minha vida, elas vêm acontecendo há tempos. A passos lentos, mas acontecem.
Assim, presidente Ednaldo, como tenho certeza de sua integridade e sei que é um homem de caráter, embora também saiba que sua missão é de muitos desafios, me solidarizo como esse momento e manifesto minha torcida pelo seu sucesso.
Rinaldo Martorelli
Presidente Sindicato Atletas SP
Membro do Conselho Deliberativo da Federação Nacional de Atletas