Volta e meia, personalidades ligadas profissionalmente ou afetivamente ao futebol posicionam-se no sentido de que à volta do "passe" seria a solução para a crise financeira que passam a maioria dos clubes brasileiros.
Mesmo advogados famosos acabam confundindo seu mister profissional com o lado torcedor, ficando até difícil aferir onde começa um ou termina o outro. Exemplo disso é o artigo do renomado tributarista Ives Gandra Martins, no Jornal do Brasil de 09.09.04, que tenta fazer crer que a falência do futebol iniciou-se a partir de 1998, com a edição da Lei Pelé.
Ao ilustre jurista sugiro uma simples análise no balanço social do São Paulo Futebol Clube de 2003 – do qual é conselheiro – para verificar que sob a rubrica de negociação de atestados liberatórios de atletas, o clube arrecadou mais de 40 milhões, sendo essa receita maior do que qualquer outra, seja de direitos de transmissão de TV (15 milhões) ou Publicidade e Patrocínios (10 milhões).
Temos a convicção de que o problema é de diagnóstico, de verdadeira miopia, pois a situação se agrava porque os problemas reais não são enfrentados como a falta de transparência administrativa, financeira e contábil, a não profissionalização dos dirigentes, a falta de regulamentação nas relações empresários e dirigentes, o aperfeiçoamento das estruturas organizacionais, a falta de ações coordenadas e de cumprimento das condições contratadas, para citar apenas parte do que sabemos que precisa ser mudado, mas o que não "entendemos" é por que não há disposição para ao menos se promover discussões a respeito?
Se no passado não se sabia se o S.C. Corinthians Paulista fazia parte do patrimônio pessoal de seu presidente Vicente Matheus, atualmente, pelas declarações veiculadas na imprensa pelo Sr. Marcelo Teixeira dando conta de que o Conselho Deliberativo do Santos F.C. aprovou resolução no sentido de se transferir à família do mesmo 40% (quarenta por cento) das negociações com atletas por conta de créditos destes junto ao Clube, vê-se que pouca coisa mudou embora com uma tênue melhora. Pelo menos houve discussão da questão e aprovação em âmbito interno.
Mais estranho ainda é constatar que no Rio de Janeiro, em Pernambuco e Minas Gerais os Tribunais Regionais do Trabalho limitaram as penhoras de dívidas trabalhistas com os Clubes em 15% (quinze por cento), atitude esta que restringe o direito do trabalhador para que o clube tenha "fôlego" para continuar sua vida honrando novos compromissos assumidos, mas, de prático, tudo continua como antes.
Importante acrescentar aqui que em torno de 65% das dívidas dos clubes são provenientes pela falta de recolhimentos aos cofres da Previdência Pública e Receita Federal dos valores auferidos e destacados para este intento e que se não aconteceu, gerando "monstros financeiros", foi por pura má gestão.
Ainda.
Como deixar de fora o esporte do sofrível contexto econômico que atravessamos? Como manter os futebolistas aqui se eles têm propostas para ganhar em euro ou dólar, seguramente muito mais atraente para um trabalhador que já tem seu ciclo produtivo reduzido? Como olvidar que tem brasileiro morrendo no deserto mexicano tentando entrar clandestinamente nos EUA, por pura falta de oportunidades em nosso país? Da mesma forma, como tantos dekassegues que se aventuram por melhor sorte no Japão, vivendo em condições desumanas!
Assim e tendo em vista que às vezes cansa fazer um discurso no vazio e unindo-me à força dos "iluminados" que defendem o retorno do passe, sugiro a edição de nova lei pelo retorno do mesmo, não de forma isolada no futebol, mas sim com uma maior abrangência em todo a legislação trabalhista brasileira.
Do mesmo modo que o advogado que tenha sido beneficiado por seu "escritório formador", com a concessão de incentivos materiais como um livro, um lápis ou que lhe tenha sido permitido o uso do computador, não possa se transferir para outro escritório concorrente sem o pagamento do "passe".
Sugiro que, os médicos que tenham sido contemplados com a dádiva de atenderem um paciente por seu "hospital-formador", ou que tenha se beneficiado pela concessão de incentivos materiais como luvas e bisturis não possa se transferir para outro empregador, sem o pagamento do "passe".
Que os jornalistas que se beneficiarem pelo uso dos computadores pelo seu "jornal ou rádio-formador", e que tenham se beneficiado pela concessão de incentivos materiais como lápis, computador ou gravador, não possam se transferir a outro empregador sem que pague uma indenização por ter ele optado por uma melhor condição de vida.
E que este procedimento se estenda por toda sua vida útil, cada vez que por insatisfação ou por opção de melhora o profissional tente mudar de empregador.
E nesta condição, de forma igual, a todos os outros setores.
E que nesses casos anteriores, mesmo que seu contrato já tenha terminado, e que esteja sem receber salários , o trabalhador não possa exercer seu ofício para outro empregador, sem o pagamento do "passe".
Aviso importante: "Nossas portas estão abertas aos profissionais que pregam para os outros trabalharem de graça para que venham, da mesma forma – gratuita, se colocar a nossa disposição, trabalho não faltará."
Muito fácil fazer festa com o bolo dos outros.
Constata-se que, a mais das vezes, a falácia pelo retorno do passe, decorre de três razões principais: interesses próprios, falta de profundidade na matéria ou por absoluto desconhecimento dos meandros do futebol. Infelizmente, em alguns casos por todas as razões conjuntamente.
Para os defensores do "passe" fica o nosso pedido para que antes da crítica que seja ela no tom construtivo e assim seja levada a refletir o por quê na Europa não existe mais tal questionamento e o que explica do outro lado do Atlântico atletas estarem sendo transferidos por valores que chegam a 50 milhões de dólares, atletas estes saídos da terra brasílis por menos dez.
Chega de hipocrisia.
Rinaldo José Martorelli
Advogado, Presidente do Sapesp – Sindicato de Atletas Profissionais de São Paulo, Vice-Presidente da Fenapaf – Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol e membro da Comissão de Litígios da FIFA.