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ATLETAS DE EXPORTAÇÃO

No início dos anos 90, o esporte se deparou com um fenômeno. Após a ruptura da União Soviética, atletas das repúblicas menos favorecidas do antigo império deixaram seus países, aventuraram-se por outros cantos do planeta e adotaram nova cidadania. Quinze anos depois, o excesso de naturalização ainda permeia o mundo esportivo. Motivados por dinheiro, oportunidade de conquistar troféus com outras camisas ou busca de reconhecimento que não tinham em sua terra natal, os esportistas cedem ao apelo. A maioria dos casos revela a importação de atletas de regiões do Terceiro Mundo.
Foi assim que aconteceu com a velocista Merlene Ottey. A vida toda foi jamaicana. Virou eslovena, ano passado, na Olimpíada de Atenas. Ottey soma oito medalhas olímpicas, todas obtidas pela bandeira da Jamaica. Em 1998, passou a treinar na Eslovênia. Ainda defendia o país de origem. Até que brigou com dirigentes locais e não conseguiu classificação para Atenas-2004 pela Jamaica. Pronto: adotou a Eslovênia como pátria. Competiu nos 100m rasos na Grécia, mas parou nas semifinais.

Da América Central, Cuba se transformou num pólo exportador de talentos. No atletismo, Niurka Montalvo, do salto em distância, passou a ser espanhola. A jogadora de vôlei Magalys Carvajal, do time campeão olímpico em Barcelona-1992 e Atlanta-1996, o da geração de Mireya, Regla Torres e Regla Bell, também rumou para a Espanha. Yamilé Aldama, uma triplista cubana, cometeu o pecado de treinar fora da ilha. Chegou a Londres em 2003 para trabalhar sob a orientação do técnico Andrew Dodds. A federação de seu país a vetou. Sem conseguir a cidadania britânica, optou pelo Sudão. Em janeiro do ano passado, faturou a prata no Mundial de Pista Coberta por sua nova nação.

Os motivos mudaram com o tempo. Na década passada, com as novas rotas geopolíticas (e o fim e o surgimento de novos países), atletas do Leste Europeu seguiam para os Estados Unidos, ávidos para escapar do rigor no treinamento no antigo bloco comunista. Agora, o peso financeiro conta. Mas ganhou um reforço de sedução: expoentes dos países pobres viram alvo para reforçar o quadro de medalhas. Francis Obikwelu, um dos homens mais rápidos na mais veloz das provas do atletismo, os 100m rasos, deixou a Nigéria. Estreou nos Jogos de Atenas como representante de Portugal. Deu à nação européia uma inédita medalha de prata.

O comércio de atletas bebe da fonte onde estão os melhores. O futebol brasileiro é o exemplo mais comum. A Fifa até interveio para brecar a ida de três jogadores dos gramados pentacampeões para o Catar. Os árabes ofereceram 1 milhão de euros a cada um deles para se naturalizarem. A entidade que comanda o futebol baixou norma exigindo que a troca de cidadania só seria aceita, a partir de então, se o atleta tivesse morado pelo menos dois anos na nova pátria.

– Essa prática não respeita o espírito esportivo – avalia o presidente da Fifa, o suíço Joseph Blatter.

A cooptação provoca situações inusitadas. A Itália foi vice-campeã mundial de futsal contando com nove brasileiros dos 12 de seu time. O melhor da equipe azul era Adriano Foglia, nascido em São Paulo.

– Quando era criança, sonhava vestir a camisa da Seleção Brasileira. Saí muito novo do Brasil (aos 17 anos), e, depois de quatro meses de Itália, já tinha chegado à Seleção daqui. No Brasil, seria difícil eu chegar à Seleção, há mais concorrência e muitos bons jogadores. Se não fosse a Itália, não teria essa oportunidade de aparecer – conta Adriano.

O tênis de mesa é outro exemplo. Em Atenas-2004, estavam 40 chineses. Desses, só nove competiram pelo país onde nasceram. Os outros 31 cantavam hinos diferentes. A China é a meca da modalidade. Abocanhou 13 dos 16 ouros em disputa desde Seul-1988, quando o esporte estreou no programa olímpico. A importação dos orientais causou polêmica nos Jogos Pan-Americanos de 2003, em Santo Domingo. Anfitriã, a República Dominicana fechou com Ju Lin em março. O Pan ocorreu em julho. O mesa-tenista recebeu US$ 15 mil do governo dominicano e teve o pedido de naturalização aceito em tempo recorde. Faturou o ouro, batendo o brasileiro Thiago Monteiro na decisão. Na entrega das medalhas, Lin ficou mudo. Não cantou o hino. Nem pôde dar entrevista. Não falava uma palavra em espanhol.

Mesmo países com tradição apostam em forasteiros para tentar manter suas hegemonias. Time imbatível nas quadras durante os anos 90, a Itália conta, hoje, com dois búlgaros em sua equipe de vôlei: Zlatanov e Simeonov. Coincidência ou não, o bicho-papão passou a ser o Brasil. A Itália amarga jejum de títulos. No futebol, a Alemanha chegou a ter três dos quatro atacantes que participaram da Copa do Mundo de 2002 de fora: o polonês Klose, o nigeriano Asamoah e o brasileiro Kuranyi. Não deu certo. Na final, os alemães sucumbiram diante do Brasil (2 a 0).

Não existe uma regra específica sobre naturalizações. O Comitê Olímpico Internacional (COI) delega a cada federação que estabeleça os critérios em suas modalidades. No basquete, se um atleta disputar um jogo pelo infantil por um país jamais vestirá outro uniforme. No vôlei, há um recesso de dois anos que o jogador é obrigado a cumprir antes de debutar na nova seleção. Passaram por isso as russas Parchomchuk e Cebukina. Eram titulares do esquadrão soviético que foi ouro em Seul-1988. Com o fim da antiga nação, seguiram para a Croácia, na ocasião já separada da também ex-Iugoslávia. Casaram e tornaram-se croatas. Parchomchuk, a melhor levantadora dos anos 80, com um toque que confundia os bloqueios rivais, mudou até o nome: virou Kirilova. E defendeu a Croácia no Mundial de 1994.

Brasileiros existem aos montem espalhados pelo mundo. Filho de mãe japonesa e pai brasileiro, o jogador de vôlei Marcos Sugiyama, o Kalé, ficou sem time nas quadras de cá e transferiu-se para o Japão. Destaque da equipe na Liga Mundial-2005, o atacante admitiu ter se sentido desconfortável nas partidas contra o Brasil.

– Não tem pior coisa que a hora do hino para mim. Não posso cantar o Hino Brasileiro e me sinto muito mal – afirma Kalé, que jamais vestiu a camisa verde-amarela.

No globalizado mundo esportivo, em que as cifras contam cada vez mais (seja no bolso dos atletas ou no investimento feito neles), o lema de que competir vale mais que vencer ficou obsoleto. Ganhar é a palavra-chave. Para tanto, a busca desenfreada pelos melhores atravessa fronteiras. Fez africano parecer europeu, asiático se tornar americano. Vale tudo para contar com os top de linha e despontar no quadro de medalhas.

Por Fabio Grijó e Flávia Diuana (Jornal do Brasil

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