É natural sonhar ser como Ronaldo, por exemplo, que driblou a vida na favela e a falta de perspectivas para se tornar um dos jogadores mais bem pagos do mundo. Porém, a realidade da maioria dos brasileiros que conseguiu se tornar jogador profissional é bem diferente. "São pouquíssimos os que conquistam fama e fortuna", afirma Rinaldo Martorelli, presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais de Futebol do Estado de São Paulo. "Dos 20 mil jogadores em atividade no Brasil, 97% ganham menos de dez salários mínimos e 45% ganham apenas um salário mínimo".
Nos gramados da realidade brasileira, boa parte dos jogadores precisa driblar até mesmo as próprias necessidades básicas para chegar ao fim do mês com o único salário mínimo que ganha. Não é a toa que alguns acabam arranjando bicos e outras atividades para complementar sua renda. "A gente sabe que alguns atletas passam mesmo por dificuldades financeiras, principalmente aqueles que jogam em clubes pequenos, sem patrocinadores milionários", explica Martorelli.
Além de baixos salários, os profissionais da categoria enfrentam outro típico problema do país do futebol: o desemprego. "Cerca de 15% dos jogadores estão sem clube para jogar. Isso é muito grave também porque o atleta precisa manter a forma física para permanecer competitivo", diz Martonelli. "Desanimados, muitos acabam abandonando o futebol cedo demais. Uma posentadoria por falta de opção".
Mesmo ganhando pouco e enfrentando todo tipo de adversidade, como o risco de contusões, o jogador que consegue ingressar na categoria pode ser considerado um privilegiado. Todos os anos, milhões de garotos são reprovados nas peneiras promovidas pelos clubes e sequer chegam à profissionalização. "Estimamos que existam 16 milhões de praticantes no Brasil todo, mas apenas 20 mil conseguiram chegar à profissionalização", calcula Martonelli.
A idéia de que qualquer um pode se transformar num novo Ronaldo, Robinho, ou Ronaldinho Gaúcho pode parecer um devaneio juvenil, mas boa parte dos que alimentam essa ilusão são os próprios pais dos garotos. "Tem muita gente por aí que submete seu filho a todo tipo de coisa para conseguir uma chance nas categorias de base dos times", conta ele. "Pais que colocam a criança para dormir embaixo das arquibancadas, se alimentando mal e correndo todo tipo de risco".
Diversão fora de hora
Apesar do país do futebol parecer ser incapaz de recompensar à altura seus próprios boleiros, Martonelli acredita que a categoria conseguiu conquistas importantes nos últimos anos, como a extinção dos passes e o pagamento aos jogadores pelos direitos de uso de imagem.
O que impede que as mudanças aconteçam mais depressa é a idéia de que o futebol profissional é como uma diversão remunerada para os jogadores. "Nem todos reconhecem que o atleta nada mais é do que um trabalhador desempenhando a sua profissão. Até mesmo os jogadores têm dificuldade para enxergar isso" comenta Martonelli. "Quando estamos negociando o período de férias, por exemplo, quase sempre aparece um atleta que, para agradar os dirigentes do clube, anuncia na imprensa que não se importaria em abrir mão de seu descanso. É justamente essa forma de pensar que atrapalha nossas negociações e compromete conquistas que beneficiariam toda a categoria".
Por Adilson Fuzo