<div><font face=’Verdana’ size=’2′>É a segunda metade dos anos 90 do século passado. A polícia de um determinado país, com a ajuda da Interpol, rastreia em diversas contas bancárias, em diferentes países e nos mais diferentes cantos do mundo uma soma que alcança bilhões (aquele que vem acompanhado de nove zeros) de dólares. Cada um deles sem uma boa explicação para terem deixado seu país de origem. Continuamos na mesma época. O governo desse mesmo país toma (nesse caso o termo tem uma conotação militar) o canal de televisão que pertence ao mesmo homem que enviou os dólares para fora do país. Esse homem vive entre a Espanha, França e Inglaterra. Não volta ao seu país por motivos óbvios. O conforto da cadeia não é o mais adequado ao seu estilo de vida. Há ainda outros casos, mas para não me estender muito, fico com esses.<br /><br />Vamos esclarecer alguns fatos para que possa se entender melhor. O país em questão é a Rússia. O homem em questão é Boris Berezovski. Sim, esse mesmo que está em alta no futebol brasileiro. Eu tive a oportunidade de morar na Rússia sete anos. De 1995 a 2002. Durante todo esse tempo eu não me lembro de ter passado uma semana sem que os jornais deixassem de noticiar alguma coisa, sempre sinistra, estranha ou mal contada, sobre esse cidadão. Se não era o nome dele diretamente, tinha dedo dele. Agora o Brasil todo, através da Polícia Federal, está conhecendo-o melhor. Para fins de comparação, seria como se um time russo fizesse alguma parceria com pessoas como Marcos Valério, PC Farias, Zuleido e outros personagens famosos na atualidade. Que fim essa parceria daria? Quando as pessoas me falam que no Brasil se rouba muito, eu sempre digo que ainda há lugares pior. Não sei de notícias de fraudadores brasileiros comprando times de futebol como se fossem ao supermercado.<br /><br />O Corinthians passa por uma crise que já era esperada por muita gente. Pelo menos por pessoas que sabiam quem é o Boris da MSI. Em 2005, quando a MSI controlava o dinheiro do Corinthians e ninguém controlava a MSI, começou o período de plantio. Plantio de abacaxis e pepinos que estão sendo colhidos agora. Se tivermos que apontar culpados para essa situação, muitos nomes vão surgir, como estão aparecendo. Até ex-esposa de jogador se envolveu na teia de interesses. Mas a questão que eu levanto é: qual é a culpa do torcedor nesse caso? Antes de qualquer coisa quero deixar claro que estou usando o caso do Corinthians por dois motivos básicos: primeiro porque é o caso que está nas manchetes de todos os jornais no momento. E segundo porque envolve um personagem russo que eu já conheço há algum tempo, mas existem casos de relações obscuras em outras situações envolvendo outros clubes. Deixo registrado que não tenho absolutamente nada contra a Instituição Corinthians.<br /><br />Lembro-me de que quando surgiu essa parceria entre o Corinthians e a MSI, muita coisa foi questionada. O tipo de contrato, os nomes que fariam parte do contrato, a falta de transparência e tudo que possa ser ligado à ilegalidade. Lembro até que surgiu um boato sobre onde seria a tal MSI. Se na Europa, Ilhas Caimans ou sei lá onde mais. O que nunca foi questionado é a posição do Kia como o homem que respondia pelo interesse maior. Sabia-se que havia alguém, ou um grupo de pessoas, que estava por trás de tudo. Como um fato desses pode ter passado sem questionamentos mais apurados? Mais incisivos? Oras, bastaram as grandes contratações começarem a surtir efeito anestésico e o time tomar uma cara de campeão, que acabou sendo no final do Campeonato Brasileiro de 2005, para tudo ser esquecido.<br /><br /></font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>O torcedor, e agora eu não falo do torcedor corintiano exclusivamente, não vê problemas em os meios justificarem os fins. Se for para levantar o caneco, tudo é válido. <br /><br />Vivemos num período de grande perturbação social e política do nosso país. Desde 2002, quando uma “nova” proposta de governo assumiu o poder, milhões de brasileiros vêm se desiludindo com os caminhos que a gestão pública vem tomando. O que parecia ser um novo sol para nos iluminar, uma luz no fim do túnel, uma centelha de esperança, acabou se tornando uma decepção geral na alma do brasileiro. Com exceção de alguns. A cada dia vimos um novo escândalo tomando conta das primeiras páginas dos jornais. Nunca na história desse país os escândalos tiveram tanta concorrência. Mas o que importa é a atitude que a sociedade teve. </font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′> </font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Nós nos organizamos em movimentos sociais e com a ajuda da imprensa mostramos nosso descontentamento e exigimos que providências sejam tomadas; e em caráter de urgência. É movimento contra a violência, movimento contra a impunidade, movimento contra o descaso. Até os movimentos estão concorrendo entre si. Todo essa mobilização é baseada num código de valores morais que chamamos de ética. </font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′> </font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>A ética é um sentimento que está (pelo menos deveria estar) dentro de cada indivíduo. Fazer parte de sua personalidade. Então o que acontece com essa tal de ética que todo mundo propaga mundo a fora e diz que tem quando entra num estádio de futebol ou fala sobre futebol? Por quê não aceitamos que pessoas e instituições se valham de subterfúgios ou meios escusos para progredirem e aceitamos que um time se valha? Se for o nosso time, deixe-se claro. </font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′> </font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Futebol é um campo fértil para uma atitude inerente ao torcedor, que chamamos “cornetagem”. A cornetagem faz parte do futebol e tem lá sua função. Ela chega a ser uma atividade divertida e prazerosa. Falar mal e “tirar sarro” do time adversário é uma parte da sociabilização do futebol. O problema é quando ela ultrapassa os limites éticos e chegam à violência. Com relação a essa última, muita coisa já têm mudado, mas ainda há focos que persistem em existir. Veja os estádios. Dentro de um estádio não existe qualquer barreira para termos do vocabulário submundano. </font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′> </font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Os termos mais chulos são usados de maneira livre por adultos, crianças e até mulheres. Não estou pregando a demagogia no meu discurso ou a canonização do meu ser. Só gostaria de entender a relação da ética de uma pessoa que vai a um estádio e faz uso de palavras de baixo calão e se sente (pelo menos se diz sentir) atingido pela violência do dia-a-dia. Por que, eticamente, não podemos xingar um cozinheiro num restaurante se não gostamos da sua comida e podemos xingar um jogador, pelo simples fato de ele pertencer ao time adversário? Por que a nossa ética aceita humilhar com palavras um profissional que trabalha no time adversário, pelo simples fato de ele trabalhar no time adversário e não nos permite fazer o mesmo com profissionais de outros setores, mesmo se não gostarmos do produto ou do serviço que eles representam?<br /><br />Estádios são espaços democráticos. Estádios comportam as mais marcantes diferenças juntas. Cor da pele, credo religioso, partido político, orientação sexual e muitas outras diferenças que provocam desde distúrbios sociais até guerras entre nações. Basta que o único traço comum entre eles seja o time pelo qual torcem. Torcidas são a mais pura representação social. Assim como a sociedade brasileira é. Composta pelos mais diferentes representantes das mais profundas diferenças. E eles se unem em movimentos onde a ética é o traço comum entre todos. </font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′> </font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Uma vez escutei de um amigo estrangeiro, que não entende bem a paixão doentia que nós, e muitos outros povos, tem pelo futebol que, se ao invés de torcidas organizadas houvesse mais ONGs, o futebol seria muito mais desenvolvido. Para ele as torcidas organizadas do Brasil, não são muito organizadas. Confesso que comungo da mesma idéia. Não creio que se juntar em bando e sair berrando hinos, canções e gritos de guerra possa ser uma forma de organização social. Se for é altamente primitiva. O futebol, assim como qualquer atividade no planeta, tem a inclinação pelo desenvolvimento. Mais do que nunca eu acredito que o torcedor tem um papel fundamental nesse processo.</font></div><div><br /><font face=’Verdana’ size=’2′>Da mesma maneira que exigimos e cobramos ética e profissionalismo de nossos administradores políticos, devemos, como torcedor, fazer o mesmo com nossos clubes. Episódios como o da parceria Corinthians/MSI não podem se repetir. Devemos exigir esclarecimento mais detalhado de tudo. Não é preciso ser um diretor ou ter direito a voto num conselho para isso. Basta haver um movimento organizado. Basta o torcedor procurar os caminhos legais para isso. Ele estará contribuindo de maneira concreta para que seu time não seja desqualificado a cada temporada. Clubes fortes e organizados têm a predisposição de se manterem assim por mais tempo. Vide São Paulo Futebol Clube, até que se prove o contrário.<br /><br />Precisamos trazer a nossa ética para nossos valores com relação aos nossos clubes e times. A mesma ética que está mudando o Brasil aos poucos e forjando novos valores para nossa sociedade. Ou é isso ou é continuar vendo o pai do Manezinho, de 10 anos, mandar uns e outros tomar em certos lugares e na presença do seu filho, da sua filha, da sua esposa e de quem mais estiver te acompanhando num simples jogo de futebol.</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′> </font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Por Antonio Marcos Ferreira*</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′> </font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>(*) Bacharel em Educação Física, Especialista em Futebol de Campo e Mestre em Teoria do Treinamento Desportivo, com ênfase em futebol de campo – todos os títulos concedidos pela Academia Nacional Russa de Cultura Física em Moscou, Rússia.</font></div>