Nota-se alguns grandes complicadores quando se propõe essa discussão. A maioria das pessoas que tentam discorrer sobre essa matéria não tem o mínimo comprometimento com o esporte e para piorar, atribuem a um ajuste ao calendário europeu a grande sacada para a resolução de nossos problemas.
Gente que, como está há muito tempo falando sobre o futebol, conseguem “vender” a idéia que o caminho é tão simples assim. Ou seja, é o “falar por falar” sem ter condição de uma análise mais profunda.
Não quero dizer aqui que eu seria a pessoa apropriada, mas, pelo menos sei que discorrer sobre o calendário – ou sua mudança – é muito pouco para aquilo que necessitamos em organização para colocar o futebol brasileiro de volta ao primeiro lugar no mundo.
Por falta de aprimoramento de talentos e de uma melhor organização fora do campo de jogo, perdemos o posto de melhores do mundo há muito tempo. Os europeus perceberam que o trabalho em repetição com o parco material humano que têm, ajustes emocionais – isso a cultura deles já ajuda e muito – observação e planejamento objetivo são capazes de superar qualquer excelente técnica moldada na desordem.
Não esqueçamos que despencamos no ranking da FIFA, nunca estivemos em posição tão baixa e esse pode ser um bom indicador mesmo que muitos queiram desqualificá-lo.
Há pouco, quando houve a troca de comando técnico na Seleção Nacional, nos deparamos com um problema que vimos experimentando há tempos: nossos treinadores estão desatualizados e quase não há quem indicar para o comando do Brasil. Essa é uma realidade. Enquanto no exterior existem vários cursos sérios e completos para treinador de futebol no âmbito acadêmico, aqui mal se vê cursos de alguns dias sem que os participantes possam viver todas as situações que poderão se deparar no desenvolvimento de sua função. È mais para inglês ver.
E nesse sentido, as condições de nosso país estabelecem um imenso paradoxo: nosso futebol não se organiza, continua jogando talentos pelo bueiro e por outro lado se vê mais prestigiado. Porém, é um prestigio que está embasado em valores que se destroem no curto prazo.
Temos um desafio pela frente, a Copa do Mundo de 2014, ocasião que será posta em prova a verdadeira condição do futebol brasileiro. Não vejo com otimismo, embora torça muito para que tudo dê certo. Mais acerca do futebol brasileiro escreverei na próxima coluna, mas deixo uma posição: precisamos de uma revolução, uma revolução responsável. Fica pra próxima.
Voltando ao assunto principal, tenho por convicção que o tema do calendário é estrutural. Digo desde já que se não fosse a TV Globo o futebol brasileiro não existiria, por isso seus interesses não devem ser desprezados, tampouco minimizados.
O que seria necessário está estritamente relacionado a um problema crônico no futebol brasileiro: a falta de responsabilidade na gestão financeira dos clubes. Os clubes pedem adiantamento – isso é um fenômeno antigo – e a TV Globo, óbvio, que dá, assim ela negocia sempre em condição de vantagem com os clubes.
Problemas como um enorme inchaço na quantidade de clubes de futebol no país seria um dos pontos que deveriam ser debatidos. Nossa proposta no Ministério do Esporte contempla tal assunto, nos reuniremos no final do mês, veremos o que ocorrerá.
É um problema, um circulo vicioso, porque os clubes elegem os administradores das entidades de administração esportiva para retribuir favor de poderem atuar como clubes desportivos, mesmo que eles não tenham nenhuma condição para tanto; entidades de administração esportiva que elegem os dirigentes da
Confederação, de novo, para retribuir favor; clubes que não têm responsabilidade financeira com dirigentes que não se comprometem com o que fazem; clubes que têm que participar no máximo de competições que conseguir para arrecadar para assim voltar a gastar sem responsabilidade; políticos que se seduzem e se aproveitam da visibilidade do futebol e o governo que não sabe mediar tudo isso e impor regras que levem o esporte ao equilíbrio. Aí está uma parte da fórmula explosiva.
Sempre bom registrar que sempre há exceções e eu os respeito, há clubes que vêm se mantendo financeiramente muito bem e melhorando a cada dia e isso é feito com o esforço daqueles que verdadeiramente se comprometem com o clube e o futebol.
A parte feito, voltemos à “vaca fria”. Por isso que não dá para ficar escutando essa história de que amoldar o calendário brasileiro ao europeu todo fim de ano como se isso fosse a chave da salvação. Quem defende esta tese não sabe nem como se desenvolve o futebol pelo velho continente; qual a responsabilidade civil e criminal imposta aos dirigentes; quais os requisitos mínimos para um clube disputar uma competição profissional; como se dá o registro de jogadores; quais e quantas são as divisões do futebol e como se compõe cada uma; qual a legislação geral do país em questão; como a legislação é aplicada e executada. Não analisam sequer as questões geográficas que se torna requisito importantíssimo nessa discussão.
Os únicos países no mundo que tem condições semelhantes aos nossos em termos de futebol – quantidade de clubes, dimensão geográfica, etc., são Índia e Congo. Os defensores do tal ajuste querem que ele seja feito com relação a esses países? Óbvio que não, talvez nem saibam que existem.
Uma mudança no calendário, mesmo que paliativa e sem buscar o efeito desejado, é possível. Porém, tal mudança antes de qualquer coisa se torna uma medida muitíssimo impopular. Quem se digna ao primeiro passo?
Lógico que não se acertaria na primeira tacada- mas até pode ser – entretanto poder-se-ia tentar e tenta até chegar a um ponto satisfatório, desde que se use critérios claros e equilibrados.
No começo, alguns, ou muitos, sentiriam-se prejudicados, mas como já disse, se as regras forem claras e seu cumprimento for a tônica da mudança, logo tudo se acomoda. Quando se propõe uma mudança no calendário não se pode desconsiderar que há que se fazer uma brusca mudança estrutural.
Nós aceitamos o desafio. Agora, os outros implicados, que respondam por eles.