<div><font size=’2′ face=’Verdana’>Carmelo Lopes Locateli concluiu o ensino médio aos 26 anos, quase uma década depois da idade regular. Aos 12, enquanto os colegas disputavam a bola no recreio, ele já suava a camisa 5 do Corinthians. Jogou profissionalmente e terminou a carreira no Operário Futebol Clube, de Campo Grande (MS), comendo arroz com pipoca por falta de dinheiro. O salário vinha a cada três meses. <br /><br />Ao pendurar as chuteiras, Locateli, hoje com 47 anos, era um homem que nunca havia trabalhado fora dos campos, nem sequer tinha o ensino médio. Ele entendeu, na prática, o significado de uma estimativa do Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo (Sapesp): apenas um em cada mil garotos consegue a realização plena na carreira futebolística. <br /><br />Asim como o ex-volante fez no passado, os pequenos boleiros de agora também depositam a esperança nos pés à custa do investimento intelectual. </font></div><div><br /><font size=’2′ face=’Verdana’>Um levantamento inédito, obtido com exclusividade pelo JT, mostra que ao menos 29 clubes (73%) têm problemas quanto à formação de seus atletas mirins. <br /><br />Em uma amostra de 485 atletas com menos de 18 anos, federados a 40 agremiações paulistas, 239 apresentam situação irregular: estão sem matrícula, com rendimento escolar e frequência abaixo do esperado, deixaram de estudar ou não têm a vida estudantil acompanhada. <br /><br />A situação contraria a lei estadual 13.748, aprovada em outubro de 2009, que atribui às entidades esportivas a responsabilidade de manter os jogadores matriculados e de zelar pelo desempenho escolar deles. <br /><br />A pena para quem descumprir a lei é, hoje, de R$ 4.105 – em caso de reincidência, o clube fica impossibilitado de participar dos campeonatos. A fiscalização da lei é dever da Federação Paulista de Futebol (FPF). “O profissional bem formado tem melhor desempenho em campo. Alguns não conseguem entender uma estratégia de jogo passada pelo técnico”, avalia o presidente do Sapesp, Rinaldo Martorelli. Entre os grandes clubes que apresentam transgressões estão Corinthians, Palmeiras e Santos. Procurados pela reportagem, nenhum se manifestou. <br /><br /></font><font face=’Verdana’><font size=’2′><strong>Cartão vermelho <br /></strong>A listagem entregue à Secretaria Estadual de Educação foi obtida em razão do requerimento do autor da lei, o deputado Raul Marcelo (PSOL), para verificar seu cumprimento. “Está havendo um claro desrespeito à legislação”, afirma ele. “Os clubes que nem informação enviaram são considerados irregulares e devem ser multados”, completa Marcelo, lembrando que existem mais 131 agremiações filiadas à FPF – e que elas não remeteram nenhum dado sobre seus jogadores. <br /><br />O deputado encaminhou uma representação ao Ministério Público do Estado pedindo providências sobre as irregularidades. Até agora, nenhum clube paulista foi punido, segundo a FPF. “Caso seja comprovado o não cumprimento da lei, a FPF tomará as medidas cabíveis”, informa a entidade. <br /><br />A relação dos 485 jovens menores de idade que participaram da Copa São Paulo Junior deste ano é bastante inferior àquela disponível no site da federação. Só nos quatro maiores clubes do Estado, considerando futebol amador e profissional, da série A1, os menores cadastrados somam 556 atletas. Além disso, participaram do campeonato 40 agremiações e 21 delas ficaram de fora da lista. Segundo a FPF, a listagem não está incompleta. Ela informa que “só envia a lista de jogadores que são registrados por clubes”. <br /><br /></font></font><font face=’Verdana’><font size=’2′><strong>“Hipocrisia” <br /></strong>“Há uma hipocrisia por parte dos clubes em querer passar uma imagem positiva, de que investem na educação dos jogadores, mas é só para constar”, diz Mário Sérgio Pontes de Paiva, ex-atleta e hoje técnico de futebol – ele treinava o Ceará até a semana passada. “Não há cobrança. Se o jogador é bom, abrem-se precedentes. O que importa é a parte técnica”. <br /><br />Paiva é um dos poucos personagens do futebol que falam sobre o tema sem rodeios. Reconhecido como um dos melhores atacantes de seu tempo, também está entre os mais polêmicos. E segue afirmando: “Os clubes, hoje, criam monstros modelo-exportação”. <br /><br />O que ele quer dizer é que os meninos são tirados de suas casas muito jovens e treinados para ganhar. Os que se destacam, viram celebridades dentro do próprio clube, ganham regalias e a conivência dos dirigentes. Antes mesmo da maioridade, têm contratos milionários e a sensação de serem intocáveis, pois nem os técnicos têm autoridade sobre eles. <br /><br />“O que se produz e reproduz nesse ambiente são atletas machistas, racistas (no sentido de depreciarem a raça), homofóbicos, além do bullying”, diz Ruy Pavan, coordenador do escritório em Salvador (BA) do Unicef – fundo das Nações Unidas que luta pela preservação dos direitos da infância. <br /><br />O Unicef defende que todos os clubes desenvolvam políticas internas voltadas para a educação de seus atletas e que envolvam a escola, o lazer, o acompanhamento familiar e a educação familiar. “Esse investimento colocaria o jogador à altura do que o mercado mundial vai exigir dele, mas também abarcaria sua formação de maneira muito mais ampla e cidadã”, completa.</font></font></div><div><font size=’2′ face=’Verdana’> </font></div><div><font size=’2′ face=’Verdana’>Por Isis Brum e equipe de esportes</font></div><div><font size=’2′ face=’Verdana’>Site Estadão, 13/09/2010</font></div>