Arrependimento, histórias de perdas irrecuperáveis e renascimentos, quem passou pela experiência de ter seu nome envolvido com o uso de drogas no mundo dos esportes garante que a marca fica para sempre, mas não é impossível se recuperar. Ligado à imagem de busca da perfeição e culto à saúde e ao equilíbrio físico, o esporte tem revelado cada vez mais sua face obscura na qual a luta para superar os limites acaba transformando heróis em vilões.
Marion Jones, Tim Montgomery, Katerina Thanou, Kostas Kenteris e tantos outros tiveram suas trajetórias esportivas maculadas pelo uso de substâncias para melhorar a performance. Mas no mundo do doping, as drogas sociais também fazem suas vítimas entre os ídolos. Maconha, cocaína… a ilusão do prazer fácil e do escape dos problemas continua atrativa.
De episódios pontuais, como os dopings de Giba e Estefânia no vôlei, a longas batalhas como as dos ex-atacantes Reinaldo, Dinei e Maradona, passando pela punição perene do ex-lateral Jura, as histórias se sucedem, enquanto os psicólogos tentam encontrar explicações para tudo isso. .
Mais recentemente, a imagem do choro do pai Edson Arantes do Nascimento ao comentar a prisão do filho Edinho, acusado de posse e associação ao tráfico de drogas, fez esquecer a majestade do rei Pelé e lembrar que na hora dos problemas todos são igualmente humanos. Em depoimentos à Gazeta Esportiva.Net alguns desses personagens se solidarizaram ao rei e contaram suas histórias na esperança de servir de alerta para outros.
Reinaldo – Na década de 70, o ex-atacante Reinaldo reinava absoluto no coração da torcida do Atlético Mineiro. Integrante da seleção brasileira, teve sua vida envolvida por um turbilhão após ser pego com cocaína em 1996. Viciado confesso, viu os oito anos de dependência química cobrarem mais de dois anos de tratamento até que conseguisse reassumir o controle da própria vida.
Vendo de longe o problema de Edinho, o ex-jogador lamenta o drama que se abateu sobre a família de Pelé, e lembra que agora o apoio ao ex-goleiro será fundamental. "Nesse estágio deve ter o apoio da família para que ele possa se livrar das drogas", afirma. "A droga você não pode ver apenas pelo lado marginal, é um caso de saúde. Talvez uma depressão, algum problema tenha o levado a isso. A gente não sabe".
Viciado por oito anos, Reinaldo lembra que a ilusão produzida pelas drogas são a grande armadilha para o usuário. "As delícias das drogas são apaixonantes, às vezes, com um contato você pode virar refém", alerta.
Recuperado do vício, ele deu a volta por cima. É vereador em Belo Horizonte, presidente do BH Futebol e Cultura e retornou aos bancos escolares, aluno do quarto semestre de jornalismo. Mas o caminho até essa nova vida foi longo, lembra. Foi quase um ano e meio de tratamento químico e mais um ano de terapia.
Com Edinho, acredita, a história não deve ser muito diferente. "O Edinho precisa dar o primeiro passo e se afastar do meio em que convive. Depois, terá de fazer um tratamento laboratorial, para desintoxicar, e outro terapêutico. Não é para considerar que é o fim do mundo. Com carinho, apoio da família, do Pelé, ele tem como sair dessa", calcula.
Quando já estiver com sua recuperação encaminhada, Reinaldo acrescenta que o ex-goleiro também não deve perder a oportunidade de falar de seu problema, participando de palestras e encontros. "As palestras reforçam bastante, é a filosofia do AA (Alcoólicos Anônimos), quanto mais você fala, mais se reforça".
Estefânia – Traumatizante também foi a experiência de Estefânia, atleta do Rexona-Ades. Em março de 2005, ela teve seu caso de doping divulgado pela imprensa, quatro meses depois de ter sido pega por uso de maconha e ter cumprido oito jogos de suspensão durante a Superliga. A ocorrência ganhou destaque maior justamente porque não foi divulgada na época da punição, mas Estefânia acha que tirou boas lições do ocorrido.
"O que aconteceu comigo foi péssimo. Mas acho que o caso não tem muito a ver com o Edinho", diz a atleta, que não enfrentou processo na Justiça como ocorre com o ex-goleiro, acusado de associação ao tráfico. "Graças a Deus já passou e agora só quero pensar em jogar, me apeguei muito em Deus depois disso".
Ao contrário de muitos, que falam das companhias para se justificar, Estefânia chama para si a responsabilidade. "Não tem nada a ver (os amigos). Fiz a besteira e me arrependo muito. Foi uma grande lição na minha vida".
Assim como Reinaldo, ela destaca a importância do apoio de familiares e pessoas próximas neste momento. "Para mim, foi muito importante contar com a confiança deles. Se não tivesse eles não sei como seria".
O tropeço não produziu danos maiores à carreira da jogadora. Assim como o atacante Giba, suspenso no campeonato italiano pelo mesmo motivo, ela cumpriu a punição, mas foi mantida na equipe normalmente. Giba, que afirmou ter se arrependido da atitude, também contou com a confiança de técnicos e amigos e pôde fechar a temporada 2004 com o ouro olímpico no peito.
No futebol, uma segunda chance também não é impossível. Michel, pego com entorpecentes em 2002, quando atuava no Santos, tem nova chance no São Paulo. Lopes, ex-Palmeiras, também aproveita nova oportunidade no Cruzeiro.
Mas nem todos têm a mesma sorte…
Jura – O ex-lateral Jura, campeão da Libertadores e do Mundial Interclubes pelo São Paulo, viveu momentos de glória entre 1993 e 98. Revelado no Guarani, chegou ao Morumbi e tornou-se reserva de Cafu, mas não um reserva ignorado, tinha lá suas chances em momentos específicos. Em 1999, quando já defendia a Inter de Limeira, essa história mudou.
Depois de um jogo, Jura foi pego no exame antidoping por uso de maconha e viu seu futuro ir por água abaixo. "Foi meu primeiro contato. Já errei muito na vida, mas foi só essa vez, nunca fui usuário", garante.
Segundo ele, foram as amizades que acabaram complicando sua história. "Vinha de uma partida maravilhosa, contra o Ituano, se não me engano. Estava dentro do carro com uns amigos que curtiam e usei porque só ia jogar de novo depois de 15 dias".
A decisão destruiu sua carreira, acredita. "Droga. O nome já diz tudo, fecha as portas em todo o mercado", diz, lembrando que o tropeço tornou-se uma mancha perpétua em sua história. "Já passei por muita situação constrangedora. As pessoas esquecem tudo de bom que você fez e só isso fica. Imagina para o Pelé, amanhã ou depois alguém falando de longe. Olha lá, o filho dele… Ele (Edinho) vai pagar pelo resto da vida".
Por causa do doping, Jura foi dispensado pela Inter, com quem tinha contrato por um ano. "Fiquei dois anos parado. Consegui uma chance no Paysandu um ano depois e depois foi aquela coisa, quatro meses aqui, mais um pouco ali. Fica tudo desestabilizado".
Como tantos outros, Jura buscou na família o apoio para superar os maus momentos. "Se não tivesse uma família boa não sei como estaria".
E foi justamente por causa da família que a dor ficou maior quando foi a julgamento. "Imagina você olhar seu pai, sua mãe chorando. Até propus parar de jogar na época da contraprova para que não fizessem publicidade, mas queriam que fosse um exemplo. Acho que fui um dos primeiros casos. Minha imagem ficou destruída".
A lembrança dos momentos angustiantes só aumenta sua solidariedade com Pelé e Edinho. "Nunca imaginei uma coisa dessas. Não acredito que (Edinho) tenha feito isso para ficar mais rico. É uma situação que fico chateado. Vi o sofrimento do Dinei, sei o que é isso". Para ele, ninguém consegue dimensionar a situação enquanto não passa por ela. "Isso (a repercussão) é que ninguém imagina. Até onde podia chegar. Paguei caro, mas espero receber uma recompensa".
O ex-jogador, que completa 34 anos neste final de semana, ainda tenta se manter com o que entende de futebol. Foi técnico dos juniores do Olímpia na última temporada e acabou retornando ao campo como jogador para defender a equipe na disputa da A-2. Recém-formado em um curso para técnicos, Jura espera sua próxima chance para ver se, finalmente, consegue retomar o curso de sua história.
Site Gazeta Esportiva.Net (11/06/2005)
Por Marta Teixeira