Ter um diálogo sobre sexualidade, envolvendo os aspectos de natureza física, seduções, convites, gestos, chantagem, propostas e falas que induzem a pessoa a expor seu relacionamento sexual com seu parceiro ou parceira, caracteriza assédio sexual. É o que afirma Silvana Trevisan, assistente social no esporte e responsável pela área social do Sindicato de Atletas SP.
Desde sua fundação, a entidade dos jogadores é conhecida por suas ações em prol da categoria. Convicto da necessidade de uma abordagem mais sistêmica e profissional no setor, o presidente Rinaldo Martorelli convidou Trevisan para profissionalizar os trabalhos sociais.
Como funciona o trabalho do sindicato no combate ao assédio sexual no esporte?
O Sindicato de Atletas Profissionais de São Paulo realiza essa atividade socioeducacional há mais de 8 anos. Fui convidada a colaborar com Alexandre Montrimas nas palestras ministradas para os clubes brasileiros.
O presidente Martorelli identificou a necessidade de uma abordagem mais sistêmica e profissional sobre este tema, que tem se tornado cada vez mais relevante no cenário esportivo.
Reformulamos os conteúdos para fornecer informações fundamentadas em parceria com a Instituição Childhood Brasil, que atua na defesa das crianças e adolescentes, com foco na prevenção e enfrentamento da violência sexual. Em 2018 realizamos uma reunião e o presidente Martorelli convidou representantes de instituições esportiva, psicólogas, assistentes sociais de clubes de SP para compor e legitimar o “Manifesto pelo fim da Violência Sexual de Crianças e Adolescentes no Esporte”.
Esse compromisso tem sido realizado nos clubes de futebol, escolas, Ongs, Fundações, institutos e projetos sociais do esporte. Iniciamos a atividade com o Alexandre Montrimas, que inicia falando da sua trajetória como goleiro ainda nas categorias de base, até chegar ao profissional. Um relato muito importante principalmente para as crianças e adolescentes que sonham em se tornar um atleta profissional do futebol.
Menciona como foi assediado por pessoas que vinham com propostas inadequadas que caracterizava um abusador sexual. O fato de ser atleta e estar alojado, ficava vulnerável, longe da família. Um alvo para pedófilos e abusadores sexuais. Como sempre teve um diálogo aberto com seu pai, foi orientado para não ceder a esse tipo de sedução. Infelizmente nem todos os atletas sabiam como reagir contra os pedófilos e abusadores sexuais e muitos tiveram prejuízos psicossociais, por acreditarem que para se tornar um atleta profissional tinham que passar por essa violência.
A segunda fase desta atividade eu apresento o que é abuso e assédio sexual, o perfil dos abusadores, exploração sexual e tráfico de pessoas. Este tema abuso sexual na cultura machista tem sido um desafio para romper a lei do silêncio. As meninas e os meninos têm receio de denunciar e perder a oportunidade dentro dos clubes ou do futebol brasileiro. Quando tem uma denúncia de assédio, verbal, sexual, moral e psicológico, acabam sendo alvo e sofrem perseguições até cederem e pedir para sair do clube. Situação que necessita de muito apoio para garantir a proteção integral plena e com dignidade. O Sindicato de Atletas Profissionais de São Paulo tem como proposta a prevenção e se coloca sempre à disposição para orientar e tomar as devidas providências jurídicas quando os e as atletas pedem ajuda. “Denuncie, o silêncio adoece”.
Temos casos envolvendo tanto o futebol masculino quanto o feminino. Existe um trabalho diferenciado para cada gênero?
Não. Na minha avaliação, a violência sexual ocorre para ambos os sexos e precisa ser tratado de acordo com a realidade do ambiente.
A diferença é que as mulheres desde a infância sofrem inúmeras violências estruturadas na cultura machista e patriarcal. Como se o corpo da mulher fosse propriedade dos homens. Este fator pode ser o diferencial. Vejo que os mesmos prejuízos biopsicossociais que ocorrem com as mulheres abusadas sexualmente são quase iguais aos dos homens que sofreram a mesma violência. A diferença é que a mulher pode ter gravidez indesejada e não conseguir o direito de aborto, devido os fundamentalismo religioso e a dificuldade do acesso a essa política pública da saúde.
Um exemplo. Uma atleta do futebol feminino pode ser assediada tanto por um homem ou mulher que faz parte do grupo. Uma atleta que é heterossexual pode ser assediada por uma outra que é homossexual. O que temos que pontuar é que o respeito ao corpo tem que prevalecer para todos e todas.
Essa coerção que atletas podem sofrer na tentativa de alguém forçar a consumar um ato sexual tem que ser banida no esporte brasileiro e no mundo. O que temos que fazer é continuar com a prevenção através das palestras socioeducacionais para que denunciem e enfrentem conosco essa violência. O Sindicato de Atletas de São Paulo não se cala diante de nenhuma violações de direitos.
No ambiente de trabalho, uma conversa sobre sexo entre colegas pode ser caracterizada assédio sexual? Qual a fronteira da liberdade?
Tudo é relativo. A sexualidade sempre foi um tabu, por isso algumas pessoas quando estão sendo assediadas ficam com medo e paralisam.
Ter um diálogo sobre sexualidade, envolvendo os aspectos de natureza física, seduções, convites, gestos, chantagem, propostas e falas que induzem a pessoa a expor seu relacionamento sexual com seu parceiro ou parceira, caracteriza assédio sexual.
Já falar de sexualidade dos aspectos que envolvem a saúde do homem ou da mulher é normal, desde que não saiam deste limite.
É importante para todos nós debater sobre diversidade sexual e respeitar as orientações de cada um dentro de qualquer contexto. Saber a opinião das pessoas e quebrar os tabus é uma proposta da sociedade contemporânea em que vivemos. Sem qualquer tipo de preconceito e valores morais que dificultam o ambiente de trabalho.
Quando vejo que um adulto que trabalha com adolescentes quer a qualquer custo entrar no mundo da adolescência e invade a privacidade, com diálogos sexuais, brincadeiras sobre o corpo, achando que é a melhor forma de se conectar, na verdade está cometendo violência sexual.
Por isso vejo a importância do nosso trabalho de prevenção com a Campanha “Chega de abuso” que é fundamental para que todos aprendam o que é assédio sexual e possam tomar as devidas providências, denunciando e exterminando esse comportamento que prejudica o desenvolvimento humano.
Como você analisa a evolução do trabalho social no esporte nos últimos 20 anos?
Minha análise é positiva, por ser a pioneira do serviço social no esporte aqui em São Paulo. Somos aproximadamente 45 profissionais nos clubes brasileiros. Atualmente os clubes, através da equipe biopsicossocial, abordam temas sobre a saúde física e mental do atleta, assim como os aspectos sociais que ocorrem na sociedade brasileira temas fundamentais como: violência sexual, violência contra mulher, uso abusivo e álcool e outras drogas, doping, como prevenir, parentalidade e família, campanhas sociais nos clubes que invadem os gramados em dias de jogo. Uma forma de enfrentar esses desafios de uma sociedade tão desigual.
De que forma seu trabalho no sindicato ajudou na elaboração do Tratado da FPF? Qual a importância desse documento para o esporte?
Primeiramente agradeço a confiança do Presidente Rinaldo Martorelli por indicar meu nome para fazer parte deste comitê representando o Sindicato de Atletas Profissionais de São Paulo.
Este Tratado foi uma construção coletiva muito interessante, aprendi muito, pois todos estavam empenhados em gerar propostas de enfrentamento a inúmeras violências. O objetivo é fortalecer a Campanha “-ódio e + amor” da Federação Paulista de Futebol.
Dentre elas o Racismo, onde tive a honra de palestrar para as atletas do futebol feminino do E.C Taubaté e para os colaboradores da FPF. Foi uma experiência ímpar, identificamos que o público ficou sensibilizado quando falamos sobre a história da escravidão no Brasil, que explica e nos faz entender melhor sobre o racismo estrutural que permeia na nossa sociedade desde 1550.
Sugeri alguns nomes, dentre os quais o do Onã Ruda, que é representante da comunidade LGBTQ+no futebol. Ele realiza um trabalho de sensibilização sobre a presença desta comunidade no futebol e do Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ+. Foi convidado para palestrar para os colaboradores da Federação Paulista de Futebol. Vejo que essa parceria Sindicato de Atletas e FPF é de suma importância para o futebol brasileiro, promovendo a inclusão, a justiça social, a igualdade, oportunidades e a compreensão de diferentes grupos.
“A intolerância não faz parte deste jogo”
Como você avalia o trabalho social no esporte no atual governo Lula?
Há 20 anos, sancionou a lei que cria o Bolsa atleta, sendo o maior programa de patrocínio individual de atleta e paratletas que perpetua e impacta socialmente o esporte até os dias atuais. Em 2024 contemplou mais de 9 mil atletas. Nos Jogos Olímpicos de Paris, 9 em cada 10 atletas recebiam este benefício.
A estratégia Nacional para o Futebol Feminino cria bases para elaborar condições favoráveis ao seu desenvolvimento. Se antes o futebol era proibido para elas, hoje, a luta é pela democratização de oportunidades, competições, apoio e respeito no futebol para todas e todos.
A lei Geral do Esporte fortaleceu a proteção integral de crianças e adolescentes no esporte com ações planejadas, inclusivas, educativas, culturais e lúdicas.
Estabeleceu através da Lei Geral do Futebol que a organização das entidades formadoras de atletas para que forneçam programas de treinamento nas categorias de base, alojamentos com ambiência, e corpo técnico com qualificação profissional para um desenvolvimento humano saudável.
O Ministério do Esporte está fortalecendo a Campanha de enfrentamento e combate o Racismo no Futebol, enviou um ofício a Conmebol para apurar o caso do jogador Ryan que sofreu injúria racial do goleiro da Bolívia, Fabian Pereyra.
Tem uma grande jornada pela frente, está no caminho certo, mas espero que antes de sancionar Leis do Esporte convoquem as entidades que lutam pelos atletas, para evitar atalhos que possam violar os direitos desses trabalhadores.