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Justiça Desportiva: sua competência e legitimidade

JUSTIÇA DESPORTIVA
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1. Considerações Iniciais

A Constituição Federal do Brasil, ao tratar do Desporto, estabeleceu as diretrizes em relação ao dever do Estado no fomento às atividades desportivas e reconheceu a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento.

O mesmo, artigo, aliás, ao dispor acerca da competência da Justiça Desportiva reconheceu o esgotamento das instâncias desportivas como pré-requisito, para que o Poder Judiciário pudesse apreciar os litígios desportivos, no tocante às questões inerentes às questões decorrentes da disciplina e em decorrência das competições esportivas. Além de estipular o prazo de sessenta dias para julgamento desses litígios.

Tendo sua natureza sui generis creio que a melhor forma de entendimento da justiça desportiva, e do assunto aqui tratado seja justamente fazê-lo através do método comparativo com outros ramos do direito.

A Justiça Desportiva, além do seu reconhecimento constitucional, tem seu funcionamento ordinariamente regulado através da Lei 9.615/98, e suas posteriores alterações, culminando com a edição do Código Brasileiro de Justiça Desportiva.

A par de todo o arcabouço jurídico que sustenta esse sistema jurídico próprio, não podemos perder de vista a vontade deliberada dos seus partícipes em relação à observância, não apenas de suas regras jurídicas emanadas pelo Poder Legislativo brasileiro, mas, principalmente, pelas diretrizes e estatutos da entidade que regulamenta essa atividade em nível mundial: a FIFA.

2. Direito Desportivo e Direito Canônico 

Mutatis mutandis, temos em efeitos comparativos que a FIFA está para o futebol, e para o Direito Desportivo, assim como o Vaticano está para a Igreja, e, por conseguinte, para o Direito Canônico.

É certo que a celebração do casamento religioso confere aos nubentes o reconhecimento aos olhos da Igreja Católica e aos praticantes do catolicismo, que aludida cerimônia foi celebrada consoante preceitos religiosos próprios.

3. Da competência

Conforme assinalou Vicente Ráo: “O direito canônico, ou direito da Igreja Católica, constitui, hoje, um direito codificado.” 

E sendo sua competência restrita, é indispensável caracterizar-se com nitidez a finalidade própria e conteúdo exato do direito canônico, frisando-se que este direito só rege nas matérias de ordem espiritual, ou nas matérias mistas, isto é conexas com as espirituais.

A nulificação de um casamento religioso só é possível através dos dispositivos legais inerentes ao direito canônico, notadamente através de seu Tribunal Eclesiástico. Não sendo possível, fazê-lo através da justiça comum brasileira.

Assinale-se, aliás, que por mais que alguns – não católicos – entendam como indevido, não existe possibilidade de anulação do casamento religioso católico, posto que o matrimônio indissolúvel aos olhos da Igreja Católica.

Existe apenas, ressalte-se, o reconhecimento da nulidade do casamento, pela inobservância das condições para sua realização inerentes ao Código de Direito Canônico.

Frise-se, aliás, que as pessoas ao procederem o casamento religioso católico, abdicam tacitamente da prerrogativa da utilização do Poder Judiciário. Desse modo, aceitam as instâncias eclesiásticas como única instância possível para sua anulação.

Como bem nos lembra José Roberto dos Santos Bedaque: “Processo e direito existente não caminham necessariamente juntos.” 

Feitas essas considerações, extrai-se algumas questões para efeitos argumentativos:

– Poderia alguém através de Ação de declaratória, anulatória e/ou de obrigação de fazer requerer perante o Poder Judiciário a anulação de casamento religioso?
– Poderia alguém pretender através de ação de obrigação de fazer proposta perante o Poder Judiciário, requerer a determinação da Justiça Comum para que determinado Padre fosse obrigado a celebrar um casamento?

É certo que não!

O Poder Judiciário não pode adentrar na seara das questões ligadas ao casamento religioso, notadamente na tentativa de negar vigência à competência da Igreja Católica para fazer, deixar de fazer ou anular um casamento religioso ou proceder a celebração litúrgica de modo diverso. 

Nesse ponto, aliás, é de bom alvitre as palavras celebras pelo filósofo Umberto Eco em seu diálogo travado com o Cardeal CARLO MARIA MARTINI, acerca de questões religiosas e éticas.

Para Eco:
“Não vejo por que os laicos têm que se escandalizar quando a Igreja católica condena o divórcio: se quer ser católico, não se divorcie, se quer se divorciar, faça-se protestante; reage só se a Igreja pretende impedir a si, que não é católico, que se divorcie. Devo confessar que até me causam irritação quão homossexuais pretendem ser reconhecidos pela Igreja, ou os sacerdotes que querem casar-se. Eu, quando entro em uma mesquita, retiro os sapatos, e em Jerusalém aceito que em alguns edifícios, no sábado, os elevadores funcionem por si mesmos detendo-se, automaticamente, em cada andar. Se quero me deixar calçados os sapatos, ou dirigir o elevador a meu desejo, vou a outra parte. Há atos sociais (completamente laicos) para os quais se exige o smoking, e sou eu quem devo decidir se quero me adequar a um costume que me irrita, porque tenho uma razão impelente para participar no ato, ou se prefiro afirmar minha liberdade ficando em minha casa”.

A questão fulcral é essa: a submissão ao sistema jurídico próprio das questões a ele relativas.

De igual modo, é a Justiça Desportiva.

Os participantes, sejam eles atletas ou entidades de administração ou de prática desportiva, além de se submeterem às entidades máximas de administração do desporto mundial (FIFA, FIBA, FIVB, dentre outras), aceitam seus regulamentos, estatutos e disposições. Renunciam, tacitamente, ao recurso perante os Tribunais Ordinários de matérias envolvendo a competição e disciplina, como referendado constitucionalmente.

Decerto, os vocábulos competição e disciplina têm em suas atribuições interpretadas de maneira limitativa, e não abrangente. Nessa esteira as matérias relativas a direito do trabalho ou inerentes a indenizações, v.g., podem ser feitas perante o Poder Judiciário.

4. Da Legitimidade

Se Tribunal Desportivo pune o atleta por doping, ou o clube pela perda de pontos por questões ligadas ao Desporto, não cabem a estes socorrerem-se ao Judiciário para tentar a anulação das penas.

Acrescente-se que, além das instâncias desportivas nacionais, faz parte desse sistema jurídico o TAS -CAS , como instâncias jurídico-desportivas para resolução de litígios desportivos.

Ou seja, ultrapassada a competência dos Superiores Tribunais de Justiça Desportivos pátrios, o órgão de competência recursal subsequente é o TAS.

No caso específico do Futebol, temos a FIFA como entidade máxima, a qual no artigo 64 de seu Estatuto, ao tratar do reconhecimento das instâncias desportivas para julgamento destes litígios referenda que:

1 – Las confederaciones, los miembros y las ligas se comprometen a reconocer al TAS como instancia jurisdiccional independiente, y se obligan a adoptar todas las medidas necesarias para que sus miembros, jugadores y oficiales acaten el arbitraje del TAS. Esta obligación se aplica igualmente a los agentes organizadores de partidos y a los agentes de jugadores licenciados.
2 – Se prohíbe el recurso ante tribunales ordinarios, a menos que se especifique en la reglamentación FIFA.
3 – Las asociaciones tienen la obligación de incorporar a sus estatutos o reglamentación una disposición que, en el caso de litigios internos de la asociación, o de litigios que atañan a una liga, un miembro de una liga, un club, un miembro de un club, un jugador, un oficial o a cualquier otra persona adscrita a la asociación, prohíba ampararse en los tribunales ordinarios, a no ser que la reglamentación de la FIFA o disposiciones vinculantes de la ley prevean o prescriban expresamente el sometimiento a tribunales ordinarios. En lugar de los tribunales ordinarios se deberá prever una jurisdicción arbitral. Los litigios mencionados se someterán a un tribunal de arbitraje independiente, debidamente constituido y reconocido por la reglamentación de la asociación o de la confederación, o al TAS. Asimismo, las asociaciones se comprometen a garantizar que esta disposición se cumpla cabalmente en el seno de la asociación, siempre que sea necesario imponiendo una obligación vinculante a sus miembros. En el caso de incumplimiento de esta obligación, las asociaciones impondrán a quien ataña las sanciones pertinentes, precaviendo que cualquier recurso de apelación contra dichas sanciones se someta estrictamente y de igual modo a la jurisdicción arbitral y no a los tribunales ordinarios”.

O mesmo Estatuto da FIFA, em seu artigo 65, ao tratar dos princípios que regem o Futebol Mundial dispõe acerca do acatamento dos seus filiados, sejam eles Confederações – no caso do Brasil a Confederação Brasileira de Futebol – às disposições devidamente estatuídas pela FIFA, ao dispor:

65 Principios
1 Las confederaciones, los miembros y las ligas se comprometen a acatar las decisiones de las autoridades competentes de la FIFA que, conforme a sus Estatutos, sean definitivas y no estén sujetas a recurso.
2 Se compremeten a adoptar todas las precauciones necesarias para que sus miembros, jugadores y oficiales acaten estas decisiones.
3 Esta obligación se aplica igualmente a los agentes organizadores de partidos y a los agentes de jugadores licenciados.

5. Conclusão

Parafraseando Umberto Eco, se o clube não aceita o que foi estabelecido pela FIFA, no que tange ao Futebol, é mister que dispute outra modalidade. Mas se quer disputar o futebol, deve aceitar suas disposições.

Se aceitamos como questão de justiça e cidadania o reconhecimento da união homoafetiva, para efeitos civis, o mesmo não ocorre para efeitos religiosos.

De igual modo, é incabível que um magistrado, seja ele de qual seja sua alçada ou competência, possa determinar a inclusão de um clube qualquer em um campeonato de futebol profissional, antes do esgotamento da instância desportiva perante o TAS. 

Do contrário, logo alguns acharão crível que o Poder Judiciário possa determinar que a Igreja Católica proceda a consagração religiosa para pessoas do mesmo sexo.

Nessa situação ficará claro, que o magistrado não estará se arvorando em Deus, mas fazendo as vezes do Sumo Pontífice Católico.

Sobre o Autor:

WASHINGTON RODRIGUES DE OLIVEIRA

São Paulo – SP – email: Washington@advogado.pro.br – Advogado, Professor Universitário, Especialista em Processo Civil pela PUC/SP (1999/2000), Mestre em Direito Pela PUC/SP (2010) com a tese: "O Direito à Imagem e à Honra sob a perspectiva coletiva: Uma leitura civil-constitucional"; Advogado do GOVERNO DA COLÔMBIA (atendendo os interesses dos nacionais colombianos e do Consulado Geral da Colômbia em São Paulo), 2004/2010; Auditor do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol – STJD/CBF(desde 2009); Membro Efetivo da Comissão de Direito Desportivo da OAB/SP (desde 2004); Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva do Handebol de São Paulo (2002/2008); Vice-Presidente do INEDD – Instituto Nacional de Estudos do Direito Desportivo (2008/2010); Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva Futebol de São Paulo (2000/2004); Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva de Tênis de São Paulo (2000/2004); Consultor Jurídico da FENAPAF – Federação Nacional dos Atletas de Futebol (2000/2008); Coordenador da Sub-Comissão de Assuntos de Habitação da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/SP (2002/2004); Membro Efetivo da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/SP (2000/2008); Membro colaborador da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP (1997/2004); Membro colaborador da Comissão de Propriedade Imaterial da OAB/SP(2004/2006).

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