<div><font face=’Verdana’ size=’2′> “Dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 217, que ‘é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais como direito de cada um’. Essa obrigação, determinada pelo legislador, impõe o obrigatório dever de a administração do Estado atuar, de maneira incisiva, para que este direito constitua uma efetiva realidade.”</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>É dessa maneira que se inicia o texto justificativo do Projeto de Lei 1.367/03, cujo autor é o deputado Bismarck Maia (PSDB). Foi tal projeto que originou a Lei 11.438, também conhecida como Lei de Incentivo ao Esporte, recém sancionada pelo presidente da República.</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>A citada lei foi instituída com o objetivo de contemplar o desporto brasileiro, nos mesmos moldes que a Lei Rouanet (Lei 8.313/91) contempla a cultura, ou seja, estabelecendo benefícios fiscais àqueles que contribuam para a realização de projetos na área, previamente aprovados pelo Poder Executivo.</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Dessa forma, antes de nos aprofundarmos na Lei do Esporte, vamos entender os mecanismos que a permeiam.</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>A aprovação de projetos de lei ordinária (como a presente lei) segue um rito específico, podendo ser apresentados por qualquer representante do Poder Legislativo. Sua tramitação tem espaço no Congresso Nacional, sendo este composto por duas casas: Câmara dos Deputados e Senado Federal. Caso o projeto emane da Câmara dos Deputados, esta casa configura-se como a iniciadora e o Senado como revisora, e vice-versa.</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Foi assim que se deu o trâmite do Projeto de Lei supracitado: o deputado Bismarck Maia o propôs, já incluindo em seu texto justificativo que sua casa de origem acolhe tal iniciativa, sendo posteriormente encaminhado para discussão e votação no Senado e nas comissões temáticas pertinentes à matéria, no caso a Comissão de Educação e a de Finanças e Tributação. Seguiu-se para votação no Plenário, órgão de última instância para deliberações. Aprovado no Plenário da casa iniciadora há sua remessa à casa revisora, submetendo-se a todo o trâmite para revisão.</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Depois de todas estas fases, é finalmente encaminhado para sanção do representante do Poder Executivo, ou seja, o presidente da República.</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Com a aprovação da Lei 11.438, em 29 de dezembro de 2006, instauram-se incentivos e benefícios fiscais para fomentar as atividades de caráter desportivo, até o ano-calendário de 2015 (artigo 1º).</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>“Os incentivos fiscais funcionam da seguinte forma: são soluções criadas pelos governos para, por meio de estímulos tributários, gerar investimentos maciços em determinados setores da economia utilizando-se da canalização dos recursos para segmentos específicos. A partir daí a sociedade adquire consciência de sua importância e passa a contribuir voluntariamente”, assim expõe Fábio Cesnik, em <em>Guia do Incentivo à Cultura</em>”<sup>1</sup>.</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Diversos setores sociais já vinham sendo beneficiados por diferentes mecanismos de incentivo (de natureza tributária ou não), e de fato o segmento desportivo carecia de apoio se comparado ao dirigido aos projetos de índole cultural. Estes contam, desde 1991, com a Lei Rouanet (8.313/91), Lei do Audiovisual (Lei 8.685/93) e outros mecanismos de renúncia fiscal, canalizando para o setor cultural centenas de milhões de reais por ano.</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Apesar das distinções entre os diferentes mecanismos de incentivo à cultura, a maior parte deles baseia-se na concessão de incentivos fiscais àqueles que patrocinarem ou investirem em projetos culturais. De acordo com a Lei Rouanet, por exemplo, a pessoa jurídica que faz doação ou patrocina um projeto cultural pode obter abatimento de até 4% do Imposto de Renda devido. No caso de pessoas físicas, este limite é de 6% do imposto devido, em cada período de apuração.</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Com relação a estes limites, inclusive, merece ser destacado que a Lei do Esporte, quando aprovada, previa o mesmo limite de abatimento às pessoas jurídicas que a Lei Rouanet, vale dizer, 4% do IR devido. Esse fato originou uma discussão acirrada entre os setores esportivo e cultural, envolvendo inclusive os respectivos Ministérios, uma vez que o Ministério da Cultura temia perder grande parte dos recursos canalizados para a área que lhe corresponde, diante da constatação de que as empresas que patrocinam os projetos visam, na maior parte dos casos, à exposição de marca agregada aos projetos patrocinados, e por isso migrariam seus investimentos para o esporte (segmento em que, supostamente, as práticas de marketing e comunicação seriam mais desenvolvidas).</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>O debate apenas se encerrou após a edição da Medida Provisória 342, de 29 de dezembro de 2006, que alterou os benefícios previstos pela Lei do Esporte reduzindo, de um lado, o limite de dedução de Imposto de Renda para 1% e, de outro, desvinculando completamente as deduções autorizadas para aportes em esporte e cultura. Dessa forma, as pessoas jurídicas podem continuar fazendo suas doações para os projetos culturais (observado o limite de 4% do IR devido), e além disso investir em projetos de caráter desportivo (gozando de benefício limitado a 1% do IR devido).</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>De acordo com a lei, os recursos canalizados para o segmento esportivo poderão ser destinados para projetos de (i) desporto educacional, (ii) de participação ou (iii) de rendimento (artigo 2º), além dos que promovem a inclusão social por meio do esporte, neste caso preferencialmente em regiões de vulnerabilidade social.</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Com efeito, tais recursos poderão ser destinados aos projetos por meio de duas modalidades, quais sejam: patrocínio ou doação. Em síntese, o patrocínio representa a transferência de recursos com finalidade publicitária (promocional, na dicção da lei) da empresa patrocinadora, enquanto, no regime da doação, veda-se à utilização dos recursos com finalidade publicitária, ainda que para a divulgação do evento beneficiário (artigo 3º, I e II, da Lei 11.438/06).</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Além destas definições, a Lei 11.438 determina duas limitações importantes: primeiramente, a pessoa jurídica doadora/patrocinadora poderá apenas se beneficiar do incentivo se for tributada com base no lucro real (artigo 1º) — como acontece na grande maioria dos incentivos fiscais concedidos pela União —, e ainda o patrocínio ou doação que forem feitos em favor de projetos que beneficiem pessoa física ou jurídica vinculada ao doador/patrocinador não são dedutíveis do imposto de renda (artigo 1º, parágrafo 4º).</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Analisando mais profundamente tal vedação, é no parágrafo 5º do mesmo artigo 1º que encontraremos a definição do que constitui o aludido vínculo entre patrocinador/doador e beneficiado, estabelecendo que estão vinculados ao doador ou patrocinador (a) a pessoa jurídica da qual o patrocinador ou o doador seja titular, administrador, gerente, acionista ou sócio, na data da operação ou nos doze meses anteriores; (b) o cônjuge, os parentes até o terceiro grau, inclusive os afins, e os dependentes do patrocinador, do doador ou dos titulares, administradores, acionistas ou sócios de pessoa jurídica vinculada ao patrocinador ou ao doador, nos termos do inciso I deste parágrafo; e (c) a pessoa jurídica coligada, controladora ou controlada, ou que tenha como titulares, administradores acionistas ou sócios alguma das pessoas a que se refere o inciso II deste parágrafo.</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Da análise do conceito de vinculação, acima exposto, depreende-se o seguinte: em linhas gerais, o sistema é o mesmo adotado pela Lei Rouanet, que em seu artigo 27 prevê hipóteses muito semelhantes de vinculação. Contudo, a leitura atenta dos dois diplomas revela que, no regime da Lei Rouanet, excepciona-se esta vedação quando, no parágrafo 2º do artigo 27, admite-se que instituições criadas pelo doador ou patrocinador possam receber recursos das empresas a elas vinculadas. Esta exceção deu margem a que, no campo da cultura, florescessem entidades ligadas a empresas, fenômeno que não ocorrerá no esporte, pois, no regime da Lei 11.438/06, não há qualquer exceção ao princípio da vinculação.</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>A Lei de Incentivo ao Esporte possui ainda alguns itens importantes em seu texto, como a submissão de todos os projetos à avaliação e aprovação de uma Comissão Técnica vinculada ao Ministério do Esporte (artigo 4º), de composição mista, integrada por representantes do poder público e da sociedade civil (representada pelo do Conselho Nacional do Esporte). Ademais, há expressa previsão de que os recursos arrecadados para a execução dos projetos não poderão ser utilizados para o pagamento de remuneração de atletas profissionais (artigo 2º, parágrafo 2º).</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Após a análise da lei, seu trâmite até a aprovação e de seus primeiros dias de vida, é sensato concluir que ela se configura como um novo capítulo na história do terceiro setor. Como mecanismo que visa à canalização de recursos para a realização dos direitos sociais inscritos na Constituição, com promoção da inclusão social, o mecanismo de incentivo fiscal ao esporte é, em tese, positivo.</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Com efeito, é de se notar que o projeto de lei sofreu, durante sua tramitação, diversas críticas (tanto por parte do setor cultural como por parte de entidades voltadas ao desenvolvimento do terceiro setor), concernentes, de um lado, à forma com que o projeto de lei foi aprovado — de maneira excepcionalmente célere e sem uma discussão mais profunda sobre seu conteúdo e objetivos — e, de outro, ao fato de que o esporte, se comparado aos outros segmentos atualmente beneficiados pelo Estado, é aquele que menos dependeria de recursos públicos para o seu florescimento. Além disso, argumenta-se que as associações desportivas (os clubes) têm apresentado, ao longo do tempo, graves deficiências de gestão e, por isso, seria temerário conceder-lhes benefícios que redundam em utilização de verbas públicas.</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>A par da respeitabilidade de que gozam os críticos e da procedência de muitas de seus argumentos, cremos que ainda é cedo para que se tirem conclusões sobre a destinação dos recursos públicos e sobre o impacto dos incentivos fiscais no panorama das atividades do chamado terceiro setor.</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Aguarda-se, com ansiedade, a regulamentação da lei (atualmente em gestação no âmbito do Ministério dos Esportes),e apenas após a edição do respectivo decreto é que se poderá ter real dimensão da abrangência do mecanismo estabelecido pela Lei 11.438. Até lá, resta-nos aguardar e comemorar, pois estima-se que serão aproximadamente R$ 300 milhões por ano canalizados para entidades do terceiro setor que atuam no segmento desportivo, contribuindo, de uma forma ou de outra, para o desenvolvimento e organização da sociedade civil</font></div><div><strong><font face=’Verdana’ size=’2′> </font></strong></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Por José Maurício Fittipaldi</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′>Revista <strong><span>Consultor Jurídico</span></strong>, 07/02/2007</font></div><div><font face=’Verdana’ size=’2′> </font></div><div><font face=’Verdana’><font size=’2′><strong>Nota<br /></strong></font><font size=’1′>1 – CESNIK, Fábio de Sá, Guia de Incentivo à Cultura. SP, Manole, 2007, p. 01, 2ª edição.</font></font></div>