Já faz algum tempo queria escrever sobre esse tema. Desafio qualquer um a trabalhar nas mesmas condições as quais os atletas são submetidos
Quando a SAF (Sociedade Anônima do Futebol) estava sendo elaborada, participamos e tínhamos uma preocupação: o calote oficial no jogador.
Discutimos com o relator e ele entendeu nossa posição. Mesmo porque havia uma abundância de fatos que fundamentavam aquela preocupação. Deixamos claro que, além da situação alimentar do jogador, precisávamos melhorar a gestão, impondo responsabilidades para preservar o futebol.
O relatório final saiu e foi votado contrariando o que havíamos pleiteado.
Ainda assim, não deixamos de apoiar inicialmente o modelo porque esperávamos que gente com vergonha na cara assumisse os clubes, ganhasse seu dinheiro e simultaneamente preservasse o sustento do trabalhador. Ledo engano.
Aliás, não importa o modelo escolhido. Seja Associação Desportiva, Sociedade Empresária ou Sociedade Anônima do Futebol o que importa é o compromisso dos administradores com a cultura de cumprir contratos e acordos, a vergonha na cara.
Já vamos ressalvar que há, sim, administradores no futebol que têm vergonha na cara.
CASO ATLÉTICO-MG
Nesta semana veio à tona o caso do Atlético Mineiro. A torcida vaiou os trabalhadores que exigiam suas remunerações. Os jogadores não têm direito nem ao de reclamar a falta de pagamento de suas remunerações?
O investidor, dono da SAF do Galo, em meio à confusão de jogadores notificando o clube sobre os atrasos, veio a público se manifestar que “temos responsabilidade e honramos”.
https://ge.globo.com/futebol/times/atletico-mg/noticia/2025/07/22/dono-do-atletico-mg-rubens-menin-afirma-temos-responsabilidade-e-as-honramos.ghtml
Ué?
Claro o desencaixe da retórica na prática?
Honra e não pagou?
SAF, não. Ela trará a obrigatoriedade de pagar dívida.
Um dia desses, assisti ao podcast do Benjamin Back, que discutia com outros dois jornalistas a delicada situação vivida pelo Corinthians. Quando o assunto derivou para a possibilidade de conversão em SAF, um deles soltou a pérola. E veja, essa posição que não é exclusiva dele, é quase um consenso:
“Sou contra a conversão. Se virar SAF vai ter que pagar dívida”.
Na verdade, honram as dívidas apenas as SAFS de gestores que têm vergonha na cara. O Bahia EC, é um grato exemplo a ser seguido.
80% DAS SAFS NÃO PAGAM
Os dados são alarmantes. Cerca de 80% dos clubes que fizeram a conversão de Associação para SAF não estão pagando as dívidas de imediato. Recorrem à Recuperação Judicial (RJ) ou Regime Centralizado de Execução (RCE), situação em que o Judiciário contempla o caloteiro com deságio de até 85% e com uma carência para o início de pagamento de até cinco anos. Uma vergonha. O caso da Chapecoense é o mais chocante.
CORAÇÃO DA COMPETIÇÃO FERIDO
Quando um clube se beneficia de um prazo extenso para quitar a dívida “desagiada”, ele também fere o coração da competição. Além do absurdo de não pagar quem trabalhou, ainda coloca clubes com salários em dia em posição desprivilegiada.
Na prática, o gestor responsável muitas vezes gostaria de contratar grandes reforços, mas para manter o equilíbrio das contas, trabalha com o elenco enxuto. Já os “recuperados e desagiados”, gastam sem ter dinheiro em caixa e muitas vezes vão mais longe na competição do que os responsáveis.
É justo?
CASO CUIABÁ/CORINTHIANS
O caso Cuiabá/Corinthians escancara claramente essa situação. O clube sul-mato-grossense negociou seu volante com o Corinthians para cobrir as dívidas, mas não recebeu. Lutou contra o rebaixamento com o próprio Corinthians, caiu, e o clube paulista, inadimplente, ficou.
FUTEBOL EM RUÍNAS
Nós apoiamos o modelo SAF, mas não esse que está levando o nosso futebol à ruína. Enquanto não inserirmos a responsabilidade pessoal na gestão de forma clara, a situação não mudará. Pelo contrário. A tendência é que piore ainda mais.
Também apoiamos um modelo que contemple os direitos daqueles que trabalharam e esperam receber suas verbas, pois dependem delas para sustentar suas famílias.
VOCÊ TRABALHARIA?
Com tudo que vimos, faço um convite/desafio para você que nos lê agora.
Seja você um torcedor, jornalista, político ou qualquer cidadão que tenha um time de coração e que considera essa questão “uma situação normal” (porque diz respeito aos direitos alheios), desafio que venham trabalhar para mim nas mesmas condições que se propõe aos jogadores.
Faz muito tempo que lanço esse desafio e até hoje ninguém se habilitou. Omissão que marca a grande hipocrisia que vivemos em termos de convivência e cidadania.
Alguém se habilita? Pode começar no dia seguinte