No último dia 15 de dezembro, a sentença Bosman completou 25 anos. O que ela significou e qual a sua importância para a categoria no Brasil?
Jean-Márc Bosman foi um jogador de futebol belga e em 1990, quando tinha 26 anos, seu contrato com o Liège terminou. A proposta de renovação feita pelo clube continha uma significativa redução de salário. Não satisfeito, Bosman tentou transferir-se para o Dunkerque, da França, porém, como o clube exigia uma indenização para liberá-lo – o passe – a transferência não se concretizou, e o clube francês alegava que não tinha como pagar.
A situação do jogador ficou entre não poder trabalhar em outro clube (preso ao antigo) e sem receber salário porque não podia assumir um novo contrato senão aquele que lhe obrigava a aceitar uma grande redução salarial.
Desta forma, para poder trabalhar, Bosman teve que recorrer a uma única opção: comprar uma briga judicial. Naquele momento ele mal sabia que sua batalha seria contra todo o sistema do futebol europeu. A luta não seria apenas contra a federação belga, mas também contra UEFA e FIFA.
Advogados do jogador ajuizaram uma ação na Corte Europeia de Justiça, sediada em Luxemburgo, requerendo a liberação para o trabalho tendo como base o Tratado de Roma, cujo princípio dava o direito ao trabalhador a livre circulação na Comunidade Europeia.
Depois de todas as tentativas políticas pesadas e ameaças de boicote da UEFA e FIFA, no dia 15 de dezembro de 1995, o Tribunal Europeu aceitou o pedido de Bosman. Todos os argumentos apresentados pela defesa das federações, autonomia do movimento esportivo, caráter não econômico do futebol, liberdade associativa, restrição a intervenção das autoridades públicas em questões esportivas – foram rechaçados pelo Tribunal, que privilegiou a aplicação integral do Tratado de Roma e a relação de trabalho do futebol.
MOVIMENTO CHEGA AO BRASIL
Paralelo a isso, em 1995, no Brasil, depois de um seminário organizado pelo Departamento de Esporte e Cultura da PUC/SP sob responsabilidade dos professores Ricardo Meloni e Ronaldo Negrão, conjuntamente com o Sindicato de Atletas SP, surge o primeiro projeto para acabar com o passe apresentado pelo então Deputado Arlindo Chinaglia.
O principal articulador da medida foi Rinaldo Martorelli, que quando atleta profissional teve sua carreira interrompida no Palmeiras por defender seus companheiros internamente, cujas consequências foram o castigo de ter que ficar sem salário e sem a possibilidade de se transferir para outro clube, embora tivesse quatro propostas de grandes agremiações do país ao longo de um ano e sete meses.
Martorelli só conseguiu a liberação quando ele mesmo, depois desse período, "comprou" o próprio passe, mesmo tendo defendido a camisa do clube durante dezessete anos.
A discussão sobre o fim do passe no Brasil ganhou força com a nomeação de Pelé como Ministro Extraordinário do Esporte.
Em novembro de 1996, o Sindicato de Atletas SP trouxe Jean Marc Bosman para o Brasil e no dia 11 daquele mês organizou no auditório do jornal O Estado de São Paulo um seminário para dar visibilidade do que representava o passe na vida dos jogadores.
Além de Bosman, participaram o então ministro Pelé, o presidente do Sindicato de Atletas SP, Rinaldo Martorelli e o atleta Claudinho, o primeiro jogador a conseguir sua liberação na justiça trabalhista depois de ter negada a possibilidade de trabalho pela Ponte Preta.
O Sindicato de Atletas SP organizou toda a semana de trabalho com Jean Marc Bosman em programas de rádio e televisão, para que o atleta pudesse dar mais detalhes das dificuldades vividas no período em que não pode trabalhar, e portanto, sem nenhuma receita salarial.
Depois de muito trabalho em Brasília, com o presidente Martorelli esclarecendo aos deputados o que representava na vida do jogador o que era verdadeiramente o passe, foi somente em março de 1998 que acabou promulgada a lei 9.615/98, denominada Lei Pelé, que dava aos clubes três anos de carência para acabar com o passe.
Esse foi o caminho da extinção do passe no ordenamento brasileiro em 2001.
Desde então, os clubes brasileiros se ressentem daquela muleta financeira. Tentam convencer por sua volta com todo o tipo de distorção nos mais variados discursos, sendo o principal deles que o jogador deixou de ser do clube para ser do empresário.
No entanto não dizem tudo. Não citam, por exemplo, que ser “do empresário” é uma opção e, a principal, que o empresário somente existe por interesse do próprio clube, ou de gente que tem interesse em gordas comissões dentro das agremiações.
Enquanto na Europa os clubes se reinventaram e trabalham como verdadeiras empresas, com as devidas responsabilidades de quem toma as decisões e dominam o futebol mundial, aqui, mesmo depois de dezenove anos, os dirigentes ainda tentam algumas formas para aprisionar os jogadores. E o pior é que os torcedores apoiam isso, torcedores que se encontram principalmente nos poderes executivo, legislativo e judiciário, sendo esse último o que teria a obrigação de rever as questões e trazer de volta o equilíbrio na relação.
A proteção em qualquer situação tem limite. Seu excesso também leva ao sufocamento. Um filho muito mimado na melhor das hipóteses se torna um grande fracassado incompetente, quando não um drogado ou bandido, porque não foi educado para as responsabilidades da vida e a busca sempre será pelo caminho mais fácil.
Não é à toa que a modalidade no país está em situação de penúria, com os clubes contraindo dívidas sem nenhuma resistência, que, já bilionárias, inevitavelmente levam o futebol brasileiro a condição de quebra geral.
A sentença Bosman fez o futebol europeu crescer e consolidar-se, porque os clubes foram buscar outras e novas fontes de receitas, mas sempre sob o manto do cumprimento das obrigações assumidas. Esse é o único caminho possível para o futebol brasileiro depois do fim do passe.
Ninguém poderia defender que o futebol possa viver sob domínio e aprisionamento do jogador. Enquanto isso ainda acontecer, não acontecerá o renascimento que tanto se espera.
Colaboração: Bruno Meneses